A UnB e uma Vacina: a reafirmação necessária em um contexto crítico

Subtítulo ainda sem definição pela editora e design

Texto: Gustavo Adolfo Sierra Romero*

Haverá sempre uma saída se trilharmos a rota do pensamento científico para fundamentarmos as nossas escolhas quando a sombra da morte nos ameaça. A certeza de que um futuro melhor está aí para ser alcançado por meio do progresso científico e a inovação tecnológica sempre será o melhor cenário de luta contra a pandemia de covid-19 ou de qualquer outro flagelo que ameace a nossa sobrevivência.

Infelizmente há os que atacam brutalmente esse futuro ao negar o conhecimento científico, obstaculizando a possibilidade de superar os nossos limites. É preciso que, mais uma vez, dominemos as adversidades e revisemos conceitos e paradigmas no contexto de um planeta que agoniza como fruto inegável da nossa própria cegueira. No Brasil, lamentavelmente o cenário é afetado pela desinformação e o ataque sistemático à comunidade científica que produz o novo conhecimento que poderá evitar que o impacto da pandemia seja ainda maior.

Apesar do ambiente hostil, as instituições de pesquisa científica e as universidades públicas recorreram a sua tradição de resistência para contrapor à onda obscurantista com projetos colaborativos à altura do desafio que a pandemia representa. Assim, o país ganhou destaque na busca de soluções com múltiplas iniciativas, dentre as quais se destaca o desenvolvimento clínico de algumas das vacinas mais promissoras no mundo. 

A rota para que a UnB participasse de uma dessas iniciativas foi longa. Ela reflete, ao meu ver, a caminhada emblemática das instituições que oportunamente colhem os frutos daquilo que foi investido nas pessoas que nelas se formaram. Parece-me também emblemático o fato de eu ter nascido na Guatemala e, sendo acolhido pela Universidade de Brasília para fazer a pós-graduação em Medicina Tropical, ter escolhido o Brasil como a minha pátria. 

Esse Brasil acolhedor deu-me a oportunidade de continuar na pesquisa como professor da Faculdade de Medicina e de trilhar um caminho que se nutriu do crescimento desfrutado pelas instituições federais de ensino e pesquisa, nas décadas em que o Estado apostou na educação superior como uma agenda prioritária para o desenvolvimento do país. Assim, a minha construção como pesquisador clínico usufruiu desse cenário e, com a participação de muitos e muitas, assumi algum protagonismo para qualificar o Núcleo de Medicina Tropical (NMT) como instituição relevante na pesquisa clínica no Distrito Federal.

Essa construção institucional continuada na pesquisa clínica permitiu que o NMT iniciasse uma parceria com o Instituto Butantan de São Paulo para o desenvolvimento de uma vacina para dengue em 2016. Assim, quando surgiu a pandemia de covid-19, o Instituto Butantan procurou os parceiros para enfrentar o desafio de realizar o Ensaio Clínico Fase III duplo-cego, randomizado, controlado com placebo para avaliação de eficácia e segurança em profissionais da saúde da vacina adsorvida covid-19 (inativada) produzida pela Sinovac (PROFISCOV), contando com a participação do NMT.

A pandemia tem exigido respostas rápidas. A celebração dos acordos entre a UnB e o Instituto Butantan encontrou a Universidade em estado de alerta, em um processo de simplificação burocrática e com um espírito ímpar de colaboração que facilitou a assinatura dos instrumentos de cooperação. Paralelamente, o Hospital Universitário de Brasília (HUB) acolheu o projeto com vontade política, eficiência administrativa e execução primorosa para que a pesquisa pudesse ser implementada de acordo com a qualidade exigida pelas boas práticas clínicas.

A tramitação efetiva no sistema composto por Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) também deve ser destacada positivamente, ao mostrar um país onde a institucionalidade de foros com ampla participação democrática permite que pesquisas sejam apreciadas oportunamente, atendendo padrões éticos exigidos no Brasil e no exterior.

A participação como voluntária/o num ensaio clínico envolve a apreciação dos riscos inerentes à pesquisa e os potenciais benefícios. Os ensaios clínicos controlados, como o estudo PROFISCOV, são especialmente desafiadores. Participar implica na possibilidade de ser sorteado para receber um placebo, o que reduz os possíveis benefícios que adviriam se o produto vacinal em investigação for eficaz e seguro – e que só os/as participantes que recebem o produto ativo obtêm.

Por isso, a participação das/dos profissionais de saúde do Distrito Federal, voluntários no estudo Profiscov, é também emblemática. Traduz um país que não renunciou à busca de soluções e que tem como fundamento relações entre pessoas que estão imbuídas da inteligência e dos afetos, que têm a solidariedade como norte e abrem espaço para atitudes próximas do altruísmo, o que, certamente, reflete a possibilidade de construção coletiva de futuros melhores e mais justos.

O desafio de implementar o estudo PROFISCOV só foi vencido com a colaboração das/dos que se dispuseram a participar nas diversas funções que um ensaio clínico exige: farmacêuticas/farmacêuticos, médicas/médicos, enfermeiras/enfermeiros, técnicas/técnicos de enfermagem, técnicas/técnicos de laboratório, auxiliares de pesquisa e assessoras de comunicação que compõem a equipe executora.

A experiência também tem sido relevante para defender o desenvolvimento dos produtos vacinais como soluções coletivas, num contexto em que centenas de cientistas resistem à pressão de interesses econômicos e colocam de lado a insanidade de uma competição desnecessária entre as diversas iniciativas. É um momento em que há e sempre haverá espaço para todas as vacinas que demonstrem a necessária eficácia e segurança. 

Finalmente, a oportunidade tem sido ímpar para reafirmar categoricamente que a boa ciência exige um tempo de amadurecimento para a produção de conhecimento válido. E que a devida parcimônia não deve sucumbir frente a pressões de caráter político ou de qualquer natureza que atentem contra os princípios sobre os quais se fundamenta.

 

* Professor associado do Núcleo de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília

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