Pandemia e vírus: a solução está na ciência​

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Texto: Bergmann Ribeiro*

Uma epidemia pode ser definida como o aparecimento e espalhamento rápido de uma doença infecciosa em uma população, afetando grande número de pessoas em um período curto de tempo. Já uma pandemia é uma epidemia de grandes proporções, que impacta uma grande região, continente inteiro ou todo o planeta. 

Na história da humanidade, as maiores pandemias foram causadas por vírus. A varíola (um poxvirus) resultou na morte de 300 milhões de pessoas até 1979, quando foi erradicada. O sarampo (um paramyxovirus), por sua vez, vitimou 200 milhões de pessoas até 1963. O vírus da gripe espanhola (um vírus influenza) foi responsável pela morte de 75 milhões de seres humanos no começo do século passado, e o HIV (um retrovírus), causador da síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids), matou 30 milhões de pessoas, desde o começo da década de 1980. 

Agora estamos passando por mais uma pandemia de origem viral, o coronavírus Sars-Cov-2, responsável pela covid-19. Causou a morte de mais de 1 milhão e 300 mil pessoas em menos de um ano de sua descoberta. No Brasil, o primeiro caso confirmado de infecção foi em 26 de fevereiro de 2020 e, menos de dez meses depois, mais de 167 mil pessoas haviam morrido. 

Mas o que são vírus? Os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios de dimensões submicroscópicas presentes em todos os lugares, como no ar que respiramos, na água que bebemos, na comida que comemos, nas superfícies que tocamos. São constituídos de ácidos nucléicos, proteínas e, em alguns casos, lipídios. 

Os vírus utilizam-se obrigatoriamente das células para a sua reprodução e perpetuação. Apesar de os vírus serem responsáveis por diversas enfermidades em animais e plantas, a grande maioria, não causam doenças. Nos seres humanos, podem causar desde doenças comuns até as mais letais, além de desempenharem papel no desenvolvimento de muitos tipos de câncer. 

Entretanto, os vírus também podem ser úteis aos seres humanos. Alguns são usados como biopesticidas para controle de pragas agrícolas, como agentes antibacterianos, anticâncer, vetores para produção de vacinas e de moléculas usadas como medicamentos. 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre os 1.400 patógenos (organismos capazes de causar doenças) humanos conhecidos, mais de 50% têm origem em espécies animais, ou seja, são doenças ou infecções naturalmente transmitidas entre animais e humanos. Muitos vírus são capazes de infectar diferentes espécies de animais, outros são altamente específicos, infectando uma ou poucas espécies relacionadas. 

Por volta de 10 mil anos atrás, com o surgimento da agricultura, a aproximação de grupos humanos e animais levou à transmissão de doenças entre espécies de animais (domesticados e para consumo). Por exemplo, acredita-se que que o sarampo surgiu provavelmente de um vírus causador de uma doença de bovinos e que se divergiu em uma doença exclusivamente humana. 

O HIV originou-se de um vírus de chimpanzés que foi transmitido ao ser humano pela caça e consumo desses animais. O surgimento de novas doenças por patógenos emergentes que infectam diferentes animais é resultado da aproximação do ser humano com diferentes animais.

Diversos fatores podem estar envolvidos na emergência de novas doenças, como mudanças climáticas e ambientais. Secas prolongadas, por exemplo, favorecem o surgimento de doenças pulmonares causadas por hantavírus, que são vírus transmitidos por roedores silvestres que buscam comida nas casas e nos depósitos de produtos agrícolas em ambientes rurais. 

Aumento das chuvas e mudanças na temperatura do planeta podem favorecer a expansão da área de atuação de vetores de doenças tropicais como o mosquito Aedes aegypti, transmissor de diversas viroses como dengue, zika e chikungunya. Além disso, o aumento da população humana gerou o aumento da demanda por produtos industrializados e alimentos. 

Como consequência, o impacto das atividades do ser humano no planeta aumentou, culminando na extinção de centenas de espécies e no aparecimento de novas doenças. Outros fatores ambientais podem favorecer o surgimento de patógenos emergentes, como construções de barragens em rios, desflorestamento, avanços na velocidade e volume do transporte global.

A diversidade de vírus no planeta é praticamente desconhecida. O Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV) reconhece atualmente apenas 6.590 espécies de vírus. Estima-se que, no mundo, existam mais de 8,7 milhões de espécies animais. Só de insetos, são mais de 1 milhão de espécies diferentes e por volta de 6.600 espécies de mamíferos. Se cada uma pode ser infectada por vírus diferentes, podemos concluir que o nosso conhecimento sobre vírus ainda é muito incipiente. Desta forma, precisamos nos preparar para enfrentarmos novas pandemias no futuro e, para isso, não existe outra saída além da ciência. 

Nesse mundo de profundas mudanças, a ciência e os cientistas têm papel fundamental no direcionamento das políticas públicas. No caso da atual pandemia, os países que levaram em consideração os conselhos de cientistas de como agir foram os que obtiveram melhores resultados na contenção da covid-19. 

Precisamos incentivar a formação de futuros cientistas e dar condições para que uma ciência de qualidade seja feita no país. Entretanto, os recentes cortes no orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF) vão na contramão da sensatez.

 

* Virologista, professor titular do Instituto de Ciências Biológicas (IB) da Universidade de Brasília

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