Edição n° 29
Ciência e tecnologia na palma da mão
Com foto tirada pelo celular, experimento dispensa uso de equipamento sofisticado para medir níveis de proteína de uma amostra
Texto: Renata Gomes
Design: Francisco George Lopes
Na Matemática, os números brilham. Nas pesquisas em Ciências da Vida, as proteínas. Medir, quantificar e observar essa molécula é atividade rotineira em qualquer laboratório desta área.
Uma das técnicas mais usadas para dosar a quantidade de proteína em uma amostra é o Método de Bradford. Funciona assim: coloca-se a molécula para reagir com corante e, quanto mais proteína tiver, mais azul o experimento fica.
Essa mensuração costuma ser feita por um equipamento cujo preço chega à casa dos milhares de reais. O nome é difícil, espectrofotômetro. Ele lança luz na amostra analisada e mede a quantidade de luz azul absorvida.
Biólogo da Faculdade de Medicina da UnB, Daniel Moreira comprovou que um celular pode substituir esse equipamento e alcançar resultados satisfatórios. A descoberta veio porque o técnico “inventor” sempre teve o hábito de tirar fotos dos seus experimentos. Como a medição de proteínas deixa um azul bastante visível, ele percebeu que poderia extrair o código de cor da foto por meio de análise no computador, usando qualquer software de edição de imagens – como Paint e Inkscape.
Então, o raciocínio de Moreira seguiu a relação linear entre a intensidade do canal azul e a quantidade de proteína. Se a foto conseguia mostrar isso, não seria preciso, necessariamente, usar o espectrofotômetro. E ele foi certeiro!
“Não há diferença visível, numérica e estatística entre os níveis de proteína mostrados pela análise da foto ou pelo leitor de microplaca”, atesta. Para garantir a equivalência na qualidade de medição, Moreira comparou os dados com os resultados do espectrofotômetro.
E SE CAIR A LUZ?
Como a realização deste tipo de experimento em laboratório requer considerável preparação técnica, a falta de eletricidade pode ser prejudicial – e as quedas de energia são frequentes na UnB. “Na eventualidade de ocorrer um problema elétrico no momento do experimento, ter o celular no bolso pode impedir que o trabalho seja jogado fora. Você bate uma foto do experimento e ele está salvo”, disse.
O biólogo acrescenta que a técnica é útil para ambientes que não dispõem de equipamento de alto nível, como expedições científicas. O celular poderia, por exemplo, ter otimizado as pesquisas do seu doutorado, quando o pesquisador foi ao sertão do Rio Grande do Norte para coletar amostras de animais da Caatinga. “Lá não tinha energia elétrica nem nada, essa técnica me permitiria fazer o experimento com um celular”, explica.
A pretensão é firmar parcerias para criar um aplicativo que realize a análise de proteínas via celular de maneira automatizada. Segundo o pesquisador, iniciativas como esta já existem, mas não são tão boas. Fora do Brasil, Moreira vê uma tendência no uso de smartphones como equipamentos portáteis laboratoriais. “No contexto internacional, a técnica é mais direcionada a ferramentas diagnósticas, principalmente para localidades remotas, comunidades com poucos recursos ou sem estrutura de pesquisa instalada”, informa.
As técnicas alternativas ao laboratório levam a ciência para qualquer lugar, e o biólogo se entusiasma com isso. “Para fazer esse experimento bioquímico em uma sala de aula do ensino médio, você só precisaria de um celular”, repete.
EU FAÇO CIÊNCIA
Quem é o pesquisador
Daniel Moreira é biólogo na Faculdade de Medicina da UnB. Possui bacharelado e licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Bioquímica e doutorado em Biologia Molecular (UnB).
Artigo
Publicação
Analytical Biochemistry, Volume 655, Outubro de 2022.